domingo, 26 de abril de 2009

Nunca é tarde para amar

Nunca é tarde para amar
Publicado em 26.04.2009 Jonal do Commercio


A terceira idade não prenuncia o fim da vida amorosa. Bem resolvidos, mulheres e homens trocam a cadeira de balanço pelos bailinhos, em busca de novas experiências afetivas

Bruna Cabral
bruna@jc.com.br

Uma boca para encontrar toda hora. Um abraço comprido para ajudar a acordar de manhã cedinho. Uma mão para apertar no cinema. Um pé para aquecer na madrugada. Uma orelha para ouvir. Um ombro para confortar. Em todo e qualquer momento da vida, namorar é prazer dos mais sublimes. Mas na terceira idade, compartilhar a vida com alguém para chamar de seu é quase indispensável. Na fase em que amigos, compromissos e prazeres tendem a ficar mais escassos, amar é certamente o melhor exercício para o coração. Tanto fisiológica quanto metaforicamente.

Que o diga a aposentada Maízzia Caminha Vieira de Melo. Prestes a completar 84 anos, ela esbanja lucidez e saúde. A quem interessar possa, avisa que o segredo é muito amor para dar. “Acho que se amargura e adoece quem não se disponibiliza para o outro, quem vive muito autocentrado”, diz a filha única que não tem herdeiros com quem distribuir tanto amor. “Minha reserva afetiva é enorme”, brinca.

Sorte de seu João Batista, 78, que ela conheceu num bailinho promovido pelo clube dançante da terceira idade do qual é sócia e secretária, o Recordar é viver. “Fui apresentada a ele por uns amigos e passamos a dançar sempre”, conta. Entre uma dança e outra, com conversa de derrubar avião, ele terminou conseguindo namorar, noivar e casar com Maízzia, há exatos 11 anos. “Ele disse que tinha uma doença muito séria e eu fiquei morrendo de pena. Só então falou que sofria era de solidão”, recorda Maízzia, que encontrou muito mais que um amor no clube. “Quando perdi minha mãe, em 1995, fiquei arrasada e minhas amigas de clube me encorajaram a enfrentar a vida de novo.”

Foi nesses mesmos bailinhos que a aposentada Socorro Costa, que não diz a idade nem por decreto para não “afastar os paqueras”, (re)descobriu o prazer de viver. “Fiquei viúva aos 53 anos e me sentia perdida. Os filhos já tinham suas vidas. Não sabia nem por onde começar, aliás, recomeçar minha vida social e amorosa”, lembra. Anos depois, ela saiu de Caruaru e veio morar com os filhos no Recife. “Foi pior ainda, porque não conhecia ninguém na cidade.” Isso até começar a dançar. “Passei a frequentar os bailes de vários clubes e me descobri uma pessoa muito interessante”, diz Socorro, cheia dos pretendentes.

Na pista de dança, segundo ela, a idade de cada um não importa nem um pouco. “Depois que aprendi a dançar, tenho muito mais facilidade de me aproximar dos homens”, diz. Para a aposentada que, além de bailar, passou a escrever e até atuar nos “preparativos para a terceira idade”, a linguagem universal da dança já lhe garantiu amigos queridos, muitos paqueras e até namorados. “Cada dia da semana vou num baile diferente. Conheço todos da cidade”, diz a pé de valsa.

Encher o mundo de perna também é a especialidade de Lídia Melo, 67. Tão vaidosa quanto animada, ela não vê obstáculos para o amor na terceira idade. “Estou na fase mais plena de minha vida. Sinto-me absolutamente senhora de mim e pronta para amar”, diz a enxutérrima aposentada de piercing no nariz, que ostenta um corpinho de 62 quilos harmoniosamente distribuídos em 1,62 metro de altura. Não por acaso. Viúva desde os 57 anos, Lídia vai à academia todos os dias. E já foi muito mais longe por conta de sua boa forma. “Em 2005, fui eleita Miss Brasil da Terceira Idade, num concurso realizado em Mato Grosso do Sul, em que concorri com mais de 20 mulheres”, lembra a modelo requisitadíssima que só pisou na passarela depois dos 60 anos.

Mas, justiça seja feita, beleza não é o único atributo de Lídia. Simpaticíssima e cheia de energia, ela vive com a agenda cheia de contatos e compromissos. É cinema, shopping, restaurante, praia (“de biquíni”) e muitos bailes. Foi num deles que ela conheceu Gildo Lemos, seu atual namorado. “Achei ele um gato e não tive dúvida: comprei uma flor e chamei-o para dançar”, lembra Lídia, que dois anos depois, já está noiva. “Resta-me pouco tempo, então não dá para ficar em casa, cheia de timidez ou amargura. Tenho que aproveitar para ser bem feliz”, diz. Toda essa “galhardia”, segundo Lídia, não se aplica só ao terreno afetivo. Foi com o mesmo bom humor que ela enfrentou, há alguns anos, um câncer de mama. “Perdi parte da mama, mas não a coragem. Muito menos a vontade de viver.”

ONDE O AMOR ACONTECE

Que os bailinhos ajudam um bocado quem está em busca de uma cara-metade, nem Lídia, nem Socorro, nem Maízzia podem negar. Mas não é, necessariamente, ao som de um bolero que o amor acontece na terceira idade. “Pode ser no meio da rua, num clube ou numa lanchonete. O segredo é não pautar o dia a dia por essa busca. A vida é muito mais que isso”, diz a aposentada Selma de Lima, 72.

Viúva há cinco anos de um companheiro que conheceu aos 55 anos, ela diz que idade não é motivo para ninguém se desvalorizar, nem entristecer. Mas, sentir-se bem, na opinião dela, está longe de ser sinônimo de viver à caça. “Isso é coisa de adolescente. Claro que não tem idade certa para amar, mas a maturidade traz muitas exigências. Não quero qualquer parceiro. Quero alguém que me respeite, participe da minha rotina e compartilhe comigo de minha filosofia de vida”, diz. Se esse companheiro chegar, diz Selma, ótimo. “Caso contrário, continuo fazendo o que gosto na companhia de amigos.” E, vez por outra, de um pretendente “sem compromisso”. “Lógico que não deixo de olhar a beleza que existe nas pessoas”, admite.

A estratégia adotada por Selma, de sair do casulo seja com que intenção for, é sempre a mais acertada. Quem garante é o cupido profissional Igor Rafailov. Segundo ele, corre-se um risco enorme na terceira idade de ficar prisioneiro do julgamento alheio e, por consequência, da cadeira de balanço. “Muitas vezes, é a própria família do idoso que atrapalha sua vida social”, diz. Outro obstáculo muito comum ao lazer nessa etapa da vida sãs as finanças. “Especialmente no Brasil, tem muito idoso provedor da casa. Aí, não sobra dinheiro para investir em si mesmo.”

Também não faltam barreiras autoimpostas ao amor nessa época da vida. “Os homens temem um envolvimento por não serem mais os atletas sexuais de antes. E as mulheres vivem se degladiando com sua imagem no espelho”, brinca Rafailov que promoverá, no Portal de Gravatá, entre os dias 15 e 17 de maio, encontros de solteiros e solteiras dos 55 em diante, para pôr abaixo todos os medos e preconceitos dos participantes. E, com alguma sorte, formar casais de pombinhos.

Aposentada e “sacudida”, Mariinha Aschosf, 74, não vai precisar da ajuda de Rafailov para resolver sua vida afetiva. Nem dele, nem de ninguém. “Desde que fiquei viúva, há vinte anos, não parei de namorar para tirar o atraso”, conta Mariinha, entre uma e outra gargalhada. Boníssima praça, ela diz que foi muito reprimida pelos pais, casou muito cedo e só a partir dos 54 sentiu-se livre para deliberar a respeito de sua vida amorosa. E não se fez de rogada diante da oportunidade. “Namorei com quem quis, casei de novo, separei e me recuso a fechar meu coração para balanço”, brinca Mariinha. Mas fala seríssimo quando diz que só se realizou afetiva e sexualmente na terceira idade.

“Em qualquer época da vida, em qualquer lugar, a melhor coisa é trocar olhares com alguém, dar beijo, abraço, andar de mão dada...”, suspira a romântica incorrigível. Segundo Mariinha, somente quando alguém lhe faz suar as mãos e tremer as pernas de emoção – ou simplesmente “bater a moela”, como gosta de dizer – é que a vida se confirma dentro do peito.J

Nenhum comentário:

Postar um comentário